"A acentuação foi encarada, durante muito tempo, como uma ferramenta conceptual puramente musical, até que Dalcroze e, posteriormente, Laban demonstraram que ela pertencia, em primeira instância, às experiências do corpo, à queda interior do peso ou do mecanismo tensional que intervém no movimento. Como é hábito, o imaginário humano projectou no som, mas também na poesia e na prosa, inúmeros elementos da sua experiência orgânica profunda. No contexto do canto, alguns afirmam que uma acentuação, geralmente utilizada para inflectir um movimento, uma palavra ou uma frase musical, afecta bastante o eixo do corpo ao longo de sua conduta central - o tubo digestivo - e pressiona os diafragmas como que para se ligar ao ânus num movimento de defecação. (...)

O corpo, na sua totalidade, pode conferir uma acentuação quando, num movimento, a queda do peso origina uma perturbação dinâmica. Uma acentuação pode ser provocada por obstáculos ou desnivelamentos no caminho do sujeito: uma prática seguida por Dalcroze: o encontro brusco com uma peça mobiliária e a descida de um degrau provocam uma acentuação em nosso corpo. Estes métodos de ensaio já não são utilizados e desapareceram praticamente dos saberes e das memórias. Contudo, empregues de maneira primária no palco, continuam a ser úteis para produzir "efeitos" dramáticos de colisão (entre um bailarino e uma mesa, entre dois bailarinos etc). A acentuação pode igualmente afetar o eixo, assim como o interior do próprio corpo, como vimos, e produzir abrandamentos passageiros que abarcam intinerários possíveis segundo a estética do estado do corpo. Com Trisha Brown, a acentuação atravessa de bom grado a rede tônica, criando uma ligeira desordem que é rapidamente estabilizada. (...) O corpo, além de ser constituído pela sua massa, é sobretudo uma abertura que desemboca numa paisagem, é um corpo que vagueia em torno de cavidades, como um pintor à volta de um espaço interior que pouco a pouco se transforma em paisagem.

A teoria e prática da dança alemã deram à leitura da acentuação uma importância singular e significativa. No pensamento de Laban, a acentuação ocupa um lugar mais estruturante do que os modos de desenvolvimento do movimento. A acentuação não confere ao movimento somente a sua qualidade, mas sentido e carga simbólica. Se considerarmos o movimento de acordo com suas três fases - início, meio, fim -, o lugar da acentuação conduz a qualidades diferentes. Na sua fase inicial, a acentuação dá o "impulso". O movimento é dominado pelo afecto e mantém com o espaço uma relação emocional. É o auschwung, um dos primeiros elementos qualitativos através dos quais Laban experimenta "ler" o novo caminho infinito e inventado do movimento na modernidade. Pelo contrário, quando a acentuação se encontra na fase terminal, o seu "impacto" atribui ao movimento um valor mais demonstrativo; o sentido ou intencionalidade (de acordo com o uso corrente da palavra) é valorizado. Kurt Joss e seu colaborador Sigurd Leeder, alunos de Laban, concederam ambos um papel essencial à dinâmica da acentuação, não somente na sua estética, como na sua técnica de ensaio, na qual o factor de acentuação produz e ocasiona todo envolvimento corporal. Na coreografia de Kurt Jooss, o lugar da acentuação guia o espectador para a intenção da narração. É um dos pilares do Tanztheater, o teatro da dança, na qual o movimento é não somente portador de uma narrativa dramática, como tem o papel de despertar uma consciencia critica no espectador. A acentuação é um elemento importante, uma vez que é o que mais influencia a cinestesia. Mais do que qualquer outra manifestação corporal, o espectador sente esta "pressão" na consistência e na estabilidade da matéria, que pontua o desenvolvimento de todo enunciado nas artes do tempo. Assim, no primeiro quadro da Table verte, de Kurt Jooss, o movimento sempre marcado pelo impacto é frequentemente acentuado duas vezes. Primeiro, no Auschwung, que lhe dá sua elasticidade e amplitude, e, depois, na fase terminal, como para suster de forma irônica a retórica demonstrativa e vã dos fantoches reunidos em torno da mesa de negociação. A acentuação, enfatizada pela visibilidade clownesca das mãos enluvadas de branco, é levada ao extremo e confere ao seu discurso uma ênfase ridícula. Por conseguinte, no Tanztheater, é o próprio gesto que gera sua crítica, e a acentuação desempenha simultaneamente o papel de impulso do movimento e de auto-comentário."
LOUPPE, Laurence, A Poética da Dança Contemporânea, 2012, pp. 180-183
2) Para visualizar a continuidade entre a obra de Kurt Joss e Pina Bausch, sugiro acompanhar os trechos do documentário Dance Rebels:

19:30 - 21:35 - onde tem uma apresentação do trabalho de Kurt Jooss
1:03:33 - 1:09:43 - onde tem a Pina Bausch dançando o papel da mãe na Mesa Verde, e uma apresentação geral de seu trabalho

1) A partir da analise 1, do fragmento 1, sugiro a leitura deste trecho de Laurence Loppe falando sobre a acentuação. Aqui, dá pra ver os videos que registram as danças citadas.
.
início
3) Se você quiser, escutar a música e ler a partitura da música ao mesmo tempo, fica mais fácil ver a acentuação musical. Mesmo que você não saiba ler a notação musical. Para "se achar", dá pra acompanhar os momentos em que aparece a canção escrita. Em seguida, coloco a letra da ária, com sua tradução.

O, let me forever weep:
My eyes no more shall welcome sleep
I'll hide me from the sight of day
And sigh my soul away
He's gone, his loss deplore
And I shall never see him more


O, deixe-me chorar/lamentar para sempre
Meus olhos não mais farão do sono bem-vindo
Me esconderei da visão do dia
E suspirar minha alma para longe
Ele se foi, seu lamento perda
E eu nunca mais o verei
O
O, let me, o
O, let me weep

O, o let me
Forever weep

Forever, forever
Forever, forever weep

My eyes no more
No more, no more
Shall welcome sleep.

I'll hide me
I'll hide me from the sight of day,
And sigh
Sigh, sigh my soul away.

O
O, let me, o
O, let me weep

O
O, let me, o
O, let me weep

O, o let me
Forever weep

Forever, forever
Forever, forever weep

He's gone, he's gone
He's gone
His loss deplore,
He's gone, he's gone
He's gone
His loss deplore,

And I shall never
Never, never
Never, never
See him more.

I shall never
Never, never see him more

Shall never
Never
Never see him more

I shall never
Shall never
Shall never
Never see him more
3) Como que conhecer a tradução da canção muda para você o sentido de dançar de olhos fechados? Como muda o sentido e poder de fechar os olhos enquanto você assiste a dança? Como a estrutura, repetição, das palavras na canção ajudam a perceber a transformação dos sentidos por causa das repetições?

O
O, deixe-me, o
O, deixe-me lamentar

O, o deixe-me
Lamentar para sempre

Para sempre, para sempre
Para sempre, para sempre lamentar

Meus olhos não mais
Não mais, não mais
Farão do sono bem-vindo.

Eu vou me esconder
Eu vou me esconder da visão do dia,
E suspirar
Suspirar, suspirar minha alma para longe.

O
O, let me, o
O, let me weep

O
O, deixe-me, o
O, deixe-me lamentar

O, o deixe-me
Lamentar para sempre

Para sempre, para sempre
Para sempre, para sempre lamentar

Ele se foi, ele se foi
Ele se foi
Seu lamento perda,
Ele se foi, ele se foi
Ele se foi
Seu lamento perda

E eu nunca
Never, never
Never, never
See him more.

I shall never
Never, never see him more

Shall never
Never
Never see him more

I shall never
Shall never
Shall never
Never see him more